domingo, 27 de setembro de 2015

Vierzehn.

É uma coisa que vem de lá de dentro, ela se confunde com fome, mas não é fome. Não aquela em que o estômago reclama, pedindo algo para dissolver. Não chega nem perto disso.

Tanto não chega perto que eu não tenho vontade nenhuma de comer quando essa coisa me assola. Eu sinto meu estômago vazio e sinto minhas mãos trêmulas, e sinto uma leveza que geralmente se associa à queda de pressão, mas ela quase nunca cai. Como sempre, preciso estar à beira de um colapso pra que isso aconteça.

Então eu sinto o tremor e o vazio que vem do estômago e a leveza e decido que essa sensação vai ficar ali por algumas horas, e dou boas-vindas a ela, e vou me distraindo enquanto as duas coisas ficam mais fortes.

Mas pelo menos dizer “ainda não comi, por isso estou tremendo” é um pouco mais justificável do que dizer “estou tremendo porque preciso de algo que não posso ter”.

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Dreizehn.

Há uma mesa. Há uma toalha em cima da mesa. Há várias coisas em cima da toalha que está em cima da mesa.

Costumava ser uma mesa pequena, mas começou a esticar a cada novo item colocado em cima.

Tudo o que há lá é a representação objetiva de alguma coisa dentro de mim. Sonhos, metas, objetivos, representações, ideias, ideais, pensamentos.

Essa mesa é como se fosse um altar, contendo coisas que me são sagradas.

Quando eu quero lavar a toalha, eu não tiro tudo de cima dela. A Primeira Lei de Newton me permite puxar a toalha de um modo que o movimento que o tecido faz não é suficiente pra tirar as coisas de seu estado de repouso. Então eu só tiro a toalha e lavo.

Mas se a toalha não é retirada da maneira certa, o que acontece é óbvio: tudo o que está em cima dela vai se mover.

 

E se eu disser que agora eu enxergo cacos no chão, objetos espalhados, e constato que a toalha foi puxada de qualquer jeito?

terça-feira, 15 de setembro de 2015

Akt 10 - Wissenlos

Estudos científicos relatam que analgésicos também são eficientes contra dor emocional. 

Já faz algum tempo que sei disso. 

Nos últimos dias, tenho frequentado o hospital mais do que seria normal. Mas antes um hospital que o trabalho. Ou até a faculdade. Se eu pudesse ficaria eternamente em posição fetal debaixo das cobertas. 

Basta fechar os olhos e querer o suficiente que uma enxaqueca surge do além para me dar motivo para não fazer mais nada. Porque ficar em casa por conta de enxaqueca é aceitável. Por causa de uma depressão é fraqueza e falta de esforço. Então me esforço para doer. (E tenho como recompensa uma generosa dose intravenosa de dexametasona com tenoxicam e Dramin). 

Mas não sei mais qual dor é minha. Eu não sei se a minha dor é minha. Também não sei se sinto a dor do outro por empatia ou substituição ou por quê. (Eu sinto, tu não sentes. Tu sentes, eu sinto também). Não sei se sinto dor de fato. Não sei o que sinto. Não sei mais nada. 

Tenho tentado tomar partículas de estabilidade que me mantém numa indiferença estável, mas isso também não é aceitável: eu deveria ser feliz. Or so I'm told. No entanto, me sinto confortável com a estabilidade de estar no início do abismo. É menos perturbador que pensar na queda livre. 

E quando acabasse, onde eu cairia então?

Zwölf.

Às vezes eu olho prum ponto qualquer na parede e me concentro nos meus pensamentos. Eles parecem perceber que chamaram a atenção e começam a andar numa fila ordenada. Heisenberg explica: em nível subatômico, o observador afeta o comportamento do que está sendo observado.

Quando isso acontece geralmente eu concluo que minha mente anda rasa feito uma forma de pizza. São fragmentos de ideias, pedaços de linhas de raciocínio ou uma receita qualquer de comida. Rotas pra ir pra faculdade de ônibus ou atalhos pra chegar em algum canto de carro. Coisas simples, quase simplórias.

Eu devia ter me contentado com isso. Devia ter me contentado com essa... anestesia.

Se antes eu não dormia por causa dos fragmentos e dos pedaços e das receitas quaisquer, agora eu não durmo por sentir como se meus pensamentos estivessem em queda livre.

Heisenberg explica de novo: em nível subatômico, não é possível determinar a velocidade e a posição de um elétron ao mesmo tempo. Sendo assim, se eu sei em qual ponto do abismo eles estão, não consigo saber qual é a velocidade deles. E vice-versa: se sei a velocidade deles, não consigo saber em qual ponto do abismo eles estão.

O problema fundamental é que, pela primeira vez desde que isso acontece, o abismo não tinha na borda uma placa escrita "Depressão".

O problema fundamental é que, agora, na placa está escrito "Futuro". E eu não enxergo a entrada do abismo; os pensamentos estão em toda parte.

domingo, 13 de setembro de 2015

Elf.

Eu quero dormir.

Você não pode dormir, pontualidade é o carro-guia da sua atitude profissional.

Mas eu não tenho mais 25 anos. Eu preciso dormir.

Você não pode dormir antes de terminar o que está fazendo.

Eu teria terminado se não tivesse sido impedida pela prioridade alheia.

Não é problema meu. O que você faz ou deixa de fazer é problema seu. Eu só cuido das SUAS prioridades.

Mesmo que eu continue, vai sair tudo errado.

De novo, não é problema meu.

Mas é, sim, problema seu. Faz parte das minhas prioridades profissionais entregar um serviço de qualidade.

Agora passou a ser problema meu.

Então eu vou dormir.

Ainda não.

Por quê?

Você não definiu prioridades a partir daqui. Precisa definir.

Certo. Dormir é a primeira.

Ok.

Acordar e já ir trabalhar é a segunda.

Você está certa de que conseguirá cumprir a segunda?

Não.

Não priorize nada que não seja prioridade.

Mas isso é uma prioridade.

Se você não age como se fosse prioridade nunca será uma prioridade.

...

O quê?

Estou sem condições de discutir filosofia agora.

Então vá dormir. Faça com que pelo menos ESSA prioridade seja cumprida.

Obrigada.

De nada.

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Zehn.

Pensei que não precisaria de Dramin pra dormir.

Tomei logo dois.

Ainda assim, sei que leva ainda algum tempo até que o efeito colateral almejado apareça. Até lá, minha distração será um documentário ouvido discretamente para que os fones brancos não chamem a atenção da figura hierárquica que se encontra a menos de dois metros de mim.

Oito meses, dez dias. E a tortura de ser vigiada por uma inconsciência alheia ao meu mundo parece não ter prazo de validade. Pelo contrário.

Hoje até experimentei uma rara liberdade que há muito não cabia nos meus dias. Não durou tanto quando eu gostaria, mas eu não desistiria das poucas horas que eu tive para esquecer um pouco do que eu já me acostumei a chamar de rotina.

Ainda assim, precisei de todas as partículas de estabilidade e mais uma droga de um antiemético, mais um analgésico, para ter a esperança de que eu não passarei a noite em claro mais uma vez.

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Akt 9 - Zweisamkeit

Eu gostaria de entender.

Os pés descalços, as mãos quentes, o mesmo abraço. O mesmo silêncio.


"Eu" só existo quando há "outro", e o "outro" agora estimula o mesmo "eu" que eu gostaria de apagar. Ou "eu" estou apagando o "outro" para que só exista o que permite que "eu" continue assim?


É complexo.


Ainda me deixo perder no espelho, no entanto. E amo o calor debaixo das cobertas, entre os braços, bem no meio do peito. 


Provoco a carne e ela dói - e morre. E se aquece, e volta, e novamente esquece.

Quem apaga quem?


Tolero a incerteza enquanto seu calor ainda aquece minhas mãos frias.